Qem chega de avião à Curitiba, se prestar um pouco de atenção, terá uma visão panorâmica de um rio que nasce tranquilo, da confluência do rio Atuba com o rio Iraí, e que, após percorrer mais de 1.300 km chega grandioso, formando as maiores quedas d´água em volume de todo o planeta: o rio Iguaçu.
Mas, se a lembrança das Cataratas do Iguaçu nos remete a algo que é motivo de e
deslumbramento, a visão que se tem de cima, ao se chegar a Curitiba, não é das
mais animadoras: lixo, margens que mais parecem um queijo suíço, cheias de
buracos causados pela extração de areia, ocupações irregulares, mata ciliar
praticamente ausente....Aqui embaixo a visão também não é das melhores,
piorada, porém, pelo fato de se poder sentir o cheiro nada agradável que é
exalado em diversos pontos do rio.
O pior é que a gente acaba se acostumando e até achando que isso é normal, que
não tem como mudar, que é assim mesmo. Aliás, nesse verão muita gente só se deu
conta da existência do rio quando ele, ou um de seus afluentes (como Barigui,
Belém, Pilarzinho) saiu do seu leito e invadiu casas, provocando destruição,
desabrigando famílias, matando pessoas.
Porém, é preciso que tenhamos a consciência de que nada disso é normal. Nada
disso é aceitável em uma "capital ecológica". Não é normal que em
pleno século 21, em uma das mais ricas e desenvolvidas regiões metropolitanas
do Brasil, esgoto doméstico continue saindo das privadas diretamente para os
nossos rios. Não é possível que a demagogia e falta de coragem do Poder Público
permita que famílias (e está longe de serem apenas famílias pobres, como ficou
claro nas últimas enchentes) ocupem áreas que os rios utilizam naturalmente
para extravasar o aumento do seu volume em épocas de chuvas. Não se pode mais
admitir que a falta de educação básica das pessoas ainda as façam ver os rios
como grandes latas de lixo, nos quais podem ser jogados desde as sacolas de
supermercado contendo o lixo doméstico, animais mortos, pneus, sofás e até
geladeiras.
É evidente que a responsabilidade por reverter essa situação é de todos nós,
governo, indústria, comércio, agricultura, sociedade civil, minha, sua. Mas,
também é evidente que essa mudança não vai acontecer como por milagre, de uma
hora para outra.
Mudanças implicam em ações concretas que vão muito além de se fechar a torneira
enquanto se escovam os dentes. Elas passam pela redução do desperdício na
distribuição. Não é incomum haver desperdícios de até 40% da água antes que ela
chegue aos consumidores. Também não é incomum constatarmos que águas que
passaram por estações de tratamento acabam sendo lançadas nos rios com
qualidade muito inferior à exigida pela legislação ambiental.
Mudanças passam pelo desenvolvimento de sistemas de coleta e utilização de água da chuva. Pela criação de alternativas para que seja possível a utilização de água de reuso ao invés de água potável nas descargas de vasos sanitários. Sim! Ainda utilizamos água potável para isso.
Mudanças exigem a separação efetiva de lixo nas residências e pela coleta
seletiva desse lixo. A reciclagem do material reaproveitável. A construção de
aterros sanitários eficientes e o fim dos lixões. A recuperação ambiental das
áreas de extração de areia. O emprego de técnicas agropecuárias mais eficientes
e menos impactantes. O tratamento adequado dos efluentes industriais.
Mudanças implicam ainda em uma maior cobrança da sociedade civil em relação ao
Poder Público. De nada adianta termos legislações ambientalmente avançadas se
nem mesmo quem tem a atribuição legal de fiscalizar o seu cumprimento as
respeitam.
Pode parecer uma grande utopia imaginar que isso vá acontecer um dia. Pode até
ser... Mas, a outra opção será certamente bem pior e custará bem mais a todos
nós. Com o crescimento desordenado de Curitiba e região metropolitana continuaremos
a assistir a um contínuo processo de sufocamento das nascentes do rio Iguaçu. O
aumento da poluição e da frequência de inundações. A incidência cada vez maior
de doenças e epidemias relacionadas à água. O aumento dos custos para o
tratamento de água.
A proposta do Projeto Águas do Amanhã é justamente chamar a atenção, informar,
conscientizar, mobilizar a população e a sociedade para que todos compreendam a
extensão e as consequências dos problemas relacionados ao rio Iguaçu. É o
primeiro passo apenas, é verdade. Porém, nunca chegaremos a lugar nenhum sem
darmos esse primeiro passo.
*Antonio Ostrensky
é coordenador do Grupo Integrado de Aqüicultura e Estudos Ambientais a UFPR e
coordenador-técnico do projeto Águas do Amanhã.